ASSORES, Cajado. Independente. 2022. 307 p.
Qual o limite da crença? A crença deve ter limites? A vida deveria ser vivida de acordo com as crenças em uma religião / dogma? Afinal, para que ou para quem serve a crença em algo? Que significa servir a um deus? A religião é somente uma forma de preencher um vazio, pois não conseguimos lidar com as respostas que não temos? Melhor, com respostas que não queremos encarar? E, no mundo em que vivemos, o extremismo religioso só trouxe consequências funestas, principalmente, para as mulheres.
Cajado, o livro do escritor Assores não é um romance sobre religião, mas bem que poderia ser. Em suas 307, o narrador onisciente nos apresenta um retrato de uma pequena sociedade que vive da coleta de frutos, com forte divisão social do trabalho entre homens e mulheres, em algum lugar distante – que também poderia ser nos primórdios da civilização, nas primeiras aldeias –, envolvida com os preparativos para a celebração mais importante de seu “calendário”. O dia em que o primeiro homem escutou a palavra do deus daquele povo.
Diante de nós se desenrola toda uma hierarquia de homens, pois é uma sociedade patriarcal, que governam esta pequena aldeia de coletores. Esses homens detêm o conhecimento local, afinal, são os chefes religiosos, aqueles que transmitem a “palavra” do deus local. E essa palavra parece ser bem rígida. Deus exige uma vida de inteira dedicação a ele. Sem questionamentos, sem dúvidas, apenas uma crença fiel, cega e comprometida com sua “palavra” que, ao final da vida, levará os indivíduos a um lugar ao lado desse deus único, poderoso e virtuoso, criador de tudo e todas as coisas. Um deus que não comete erros.
E, quando um deus assim não comete erros, quem devemos culpar quando algo de errado acontece? Isso. Culpamos a nós mesmos. Os seres criados pelo deus infalível. Um deus perfeito senhor de criaturas imperfeitas. O que gera uma contradição profunda em alguns habitantes da aldeia, os fazendo questionar sobre si mesmos, nunca sobre seu deus.
E, como uma boa hierarquia patriarcal isolada, os homens que detêm o poder e a palavra, também são aqueles que possuem o poder sobre as escolhas. São eles que escolhem quem será o próximo a fazer parte do pequeno grupo de “escolhidos”, são eles que sabem das verdades, como usar essas verdades para conseguir o que desejam, em especial quando isso se resume a uma fêmea.
No microcosmo apresentado por Assores, vemos a representação de qualquer sociedade dominada por uma fé extrema, onde a política e a religião se confundem. Onde a verdade e a liberdade estão nas mãos de poucos. E, para conquistar esse poder, os de fora são capazes de muitas coisas, inclusive, de ir contra as leis do seu deus.
O narrador onisciente, além de nos apresentar a organização estrutural da sociedade religiosa a partir das atividades referentes à celebração, hora ou outra nos leva ao passado, através das memórias de alguns personagens, para contar sobre alguns fatos importantes, que culminaram nos incidentes do presente.
Os parágrafos são longos, com muitas narrativas, mas não chegam a ser cansativos. É um estilo do autor utilizar uma linguagem mais refinada, o que não dificulta a leitura, uma vez que o texto trata de um enredo sobre uma sociedade distante no tempo e no espaço.
Recomendo a leitura de Cajado para leitores que gostam de histórias com finais inesperados, de enredos com críticas sociais, além de trazer um forte apelo para nos fazer olhar para nossa própria sociedade em diversos aspectos. Afinal, até onde vai a religião e começa a nossa busca por satisfação pessoal? A religião ainda é válida quando, em segredo, praticamos atitudes que vão contra essa dita espiritualidade? Leia Cajado para descobrir.
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